sábado, 26 de janeiro de 2008

Mar

Era um dia qualquer, num sítio qualquer, a uma hora qualquer.
Finalmente, o autocarro chegara. Entrou e pediu uma senha.
-Um euro e trinta, por favor.
Procurou o dinheiro no meio do caos em que se encontrava a sua mochila. Chaves, maquilhagens, folhas e mais folhas desorganizadas quase de propósito, daquela sua forma tão característica.
Pagou e foi-se sentar.
Tinha os pés gelados. Decidiu pousá-los no banco da frente, ao sol, numa tentativa de os aquecer. De phones nos ouvidos, deixou as músicas tocarem, umas a seguir às outras, naquele seu paraíso que mais ninguém podia sentir.
Sem sequer se aperceber, fechou os olhos e apoiou a cabeça na janela, esquecendo-se de todos os seus caminhos e objectivos.
Deixou-se ficar e, em apenas uns minutos, sonhou com mil e uma coisas, voou daquele autocarro, foi à lua e (não) voltou.
Abriu os olhos, ao fim do que, para ela, parecera um segundo.
Há muito que tinha passado a sua paragem. Carregou no botão “STOP” e deixou o autocarro, quase tropeçando no degrau.
O que fazer? Apanhar o autocarro no sentido contrário? Ou… Olhou para a sua direita, e ali estava ele: calmo, sereno, no seu pleno estado de perfeição e liberdade. Por momentos, deixou-se ficar ali, a tremer de frio e a sorrir perante aqueles arrepios tão típicos da imagem que presenciava.
O frio incómodo e quase insuportável deu lugar ao doce sabor da brisa que ele emanava.
Esqueceu as aulas, o relógio, e até mesmo todo o seu futuro por aquele momento em que poderia permanecer o resto da sua vida.
Aproximou-se. As pernas tremiam e os olhos iluminavam-se como se nunca antes o houvessem reflectido.
Calcou a areia molhada e foi andando, devagar, sentindo o gosto do seu cabelo despenteado pelo vento, e deixando pegadas atrás de si.
Tirou o casaco e pousou-o, sentando-se.
Disse olá. Esperou uma resposta, mas ele limitou-se a revolver-se, a debater-se na sua fúria imensa e incansável. Sorriu, como se o entendesse, como se isso significasse uma espécie de sinal feito especialmente para si.
A maré estava a subir. Uma linha de água sorrateira já lhe havia beijado a ponta dos pés, quando decidiu levantar-se, pegar no casaco e deixar-se ficar assim, de pé, assobiando uma música qualquer.

11 comentários:

Anônimo disse...

sei bem o que é andar pela Lua quando nos deixamos vaguear mentalmente.
Gostei, uma escrita definida e agradável de se ler!

Abraço
Raquel V.
(www.apaginatantas.blogspot.com)

Gi - Pequenos Nadas disse...

As águas agitavam-se, ligeiras e foi atrás desses marulhos que cheguei até aqui. Ao teu mar , ao teu fascínio por ele ... que se nota no dobrar de cada linha.

Gostei de te acompanhar neste teu passeio,

um beijo

Lis disse...

Há mais viagens para além das de autocarro... que continuem as evasões.

intruso disse...

uma dia qualquer e uma música qualquer
(não foi um momento qualquer...)

gostei de ler...

Bandida disse...

esta não é uma música qualquer. melodias de nuvens. encantos de luas-cheias.

belíssimo texto!!


beijo


B.

Art&Tal disse...

muito bem

BEM mais "mentirosa" do que eu.

*

AGUARDO O PROXIMO

leb disse...
Este comentário foi removido por um administrador do blog.
Luís Galego disse...

Esqueceu as aulas, o relógio, e até mesmo todo o seu futuro por aquele momento em que poderia permanecer o resto da sua vida.

tenho vontade de sentir isto...

Anônimo disse...

Extraordinário.

Ana Paula Sena disse...

Muito bem escrito!
Fica-se com vontade de continuar a acompanhar a história...
Parabéns! :)

Anônimo disse...

gostei especialmente da forma como conduziste a historia, bastante consistente, e agradável de se ler, principalmente no que toca ao imaginário.


bruno